segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Sindicato dos Músicos pode assinar o Acordo Coletivo de Trabalho com o Instituto Pensarte esta semana.



Foto: Marcos Santos
Reunião do Sindmussp com os músicos dos corpos artísticos: Teatro São Pedro, Orquestra Sinfõnica e Jazz Sinfônica no Instituto Pensarte.

Por Marcos Santos
Após várias discussões do Sindmussp, músicos dos corpos artísticos: Jazz Sinfônica, Theatro São Pedro e Orquestra Sinfônica junto ao Instituto Pensarte, finalmente o acordo coletivo foi fechado."A comissão de trabalhadores teve um papel fundamental nessas discussões por conhecer melhor do que nós a realidade triste em que estavam vivendo". Ponderou Grimaldi. A fase final dessas negociações se dará após a assinatura definitiva do sindicato cuja data ainda será marcada para esta  semana já que o acordo coletivo teve aprovação unânime de todos os trabalhadores músicos. Apesar de o acordo ter sido fechado em novembro, a data base contará a partir do dia 1º de outubro sem nenhuma perda salarial aos artistas.Confira alguns dos  itens que foram acordados:

1) Reajuste Salarial

Fica assegurado aos empregados abrangidos por este acordo, a partir de 1º de outubroo de 2014, um reajuste de 6,40%(seis inteiros e quarenta décimos por cento) a ser aplicado sobre os salários vigentes em outubro de 2014.

Parágrafo Primeiro: Os direitos de imagem, direitos autorais e arranjos musicais pagos aos respectivos autores, serão reajustados no montante de 6,40% sobre os valores praticados em outubro de 2014.

2) Salário/Piso salarial e formas de contratação

  Músico solista I - R$ 4.631,84 (quatro mil seiscentos e trinta e um reais e oitenta e quatro centavos).

3) Salário Substituição
Na substituição que não tenha caráter eventual será garantido ao empregado substituto, igual salário percebido pelo substituído; a substituição por período superior a 90 (noventa) dias não poderá ser considerada de caráter eventual, exceto a licença à gestante. 

4) Estabilidade Provisória à gestante.

Estabilidade provisória à empregada gestante desde o início da gravidez até 30(trinta) dias após o término da licença compulsória de 120 dias.

5) Da complementação do auxílio-acidente.

Ao empregado em gozo de benefício de auxílio-acidente de trabalho, fica garantida, entre o 16º (décimo sexto) e o 90º(nonagésimo) dia de afastamento, complementação de salário, em valor equivalente à diferença entre o efetivamente percebido da Previdência Social e o salário nominal, respeitado sempre, para efeito de complementação, o limite máximo de contribuição previdenciária.
A empresa fornecerá aos seus empregados músicos, auxílio para a manutenção de instrumentos e vestimenta necessárias para o desempenho da função no montante de R$400,00(quatrocentos reais) em uma parcela anual a ser paga no mês de março de 2015,

6) Aquisição de instrumenta fixo/rebatedores/praticáveis.

A empresa se compromete exercer os melhores esforços para a compra de instrumental fixo, rebatedores e praticáveis que eventualmente faltarem às orquestras, complementando o acervo existente.

70) Comissão de representação

Os músicos reivindicaram o reconhecimento de uma comissão integrada por músicos representantes de cada orquestra, comprometendo-se o sindicato e os músicos a submeterem à empresa para negociação proposta no Estatuto, forma de eleição e número de membros, afim de garantir isonomia na escolha dos integrantes.
Foto: Adelmo Ribeiro
Grimaldi Santiago apresentando as propostas do Instituto Pensarte aos músicos na sede da Orquestra Sinfônica.

Foto: Marcos Santos
Grimaldi Santiago(camisa listrada) em  reunião no Instituto Pensarte com os músicos do Theatro São Pedro, Jazz Sinfônica e Orquestra Sinfônica.





sexta-feira, 7 de novembro de 2014

DA MÚSICA ÀS EMOÇÕES: UM ENSAIO TRANSDISCIPLINAR.

4 MÚSICA, EMOÇÕES E CULTURA

William Paiva

  É possível definir cultura como a identidade própria de um grupo humano em um território, num determinado período e espaço. O termo cultura refere-se a crenças, comportamentos, valores, instituições, regras morais, que permeiam e identificam uma sociedade, explicando e dando sentido ao que podemos chamar de cosmologia social.[1]
            Dentro desta definição, podemos entender que os próprios conceitos de sentimentos e sensações enquanto representam e significam, traduzem o simbolismo cultural, quando este pré-existe as próprias emoções.
Sendo assim, um comportamento social, motivado por um processo emocional, só será compreendido em totalidade se concernente ao ambiente inserido, como o prantear ocidental diferenciado da conotação festiva oriental ao mesmo quadro de um velar fúnebre de um ente querido, entre outros exemplos.
Ora, a música também é um processo que concebe uma cultura, estruturas que pré-existem, re-programação de sons combinados, ou mesmo, uma simples sensação de familiaridade com determinadas estruturas musicais.
Grosso modo, a música constrói-se em um contexto cultural particular, modificado e estruturado concernentemente ao ambiente inserido. As modificações e especificidades dos instrumentos e estrutura musicais estão diretamente ligadas à geografia e clima e costumes do território em que a música nasce (BERTINATO, 2006).
Nesta perspectiva, e embutindo tanto as emoções quanto a música em um ambiente cultural, pode-se pensar que o suscitar de uma emoção a partir dos sons, podem ser tanto positivas quanto negativas, e estes valores não estão na música em si, mas nas experiências sócio-culturais anteriores do indivíduo.

Triunfamos sobre esse caos não ouvindo, passivamente, com nossos troncos do cérebro, mas escutando, ativamente, com o córtex cerebral, que busca dispositivos e padrões familiares na música. A audição é conduzida pela antecipação. Mesmo quando uma peça é inteiramente nova para nossos ouvidos, nós a entendemos porque percebemos partes constitutivas que já conhecemos bem. Um objeto musical não é tanto algo que bate em nossos cérebros, e sim muito mais, algo que nossos cérebros vão lá e captam, através de sua antecipação.
Falando de modo amplo, só antecipamos o que já conhecemos. Reconhecemos – re-conhecemos – dispositivos musicais. Isso significa que, de várias maneiras, lembramos esses dispositivos a partir de experiências anteriores (JOURDAIN, 1998, p. 314. Apud BERTINATO, 2006, p. 6).

            Acompanhando este seguimento conceitual, torna-se incabível afirmar que este som, ou aquele acorde fomenta emoções, como é comum ouvir em vários lugares, de várias pessoas afirmações como “esta música é triste, ou ainda, essa música me deixa feliz, porque é em tom maior”.
            A música não deve ser interpretada como triste, ou alegre, e sim como música, apenas. Nossos ouvidos é que decodificam as estruturas sonoras, revelando familiaridades e re-conhecendo padrões existentes, atribuindo valores (positivos ou negativos) que comungam à identidade e experiências vivenciais com a cultura.
            Neste sentido, mesmo sendo a música um canal de comunicação e um meio de expressão das emoções, ela não é geradora de emoção, apenas existe na tentativa de dignificar situações que vivemos e experienciamos, pois diferente da linguagem, sem os conteúdos semânticos, a música não representa, nem valora, e por isso, não erra em sua tradução, assim, expressa dignamente a emoção sentida.

A música suscita emoções, tanto negativas quanto positivas. Com isso, aperfeiçoa momentaneamente nossas vidas emocionais individuais. O significado que sentimos não está na música como tal, mas em nossas próprias reações ao mundo, reações que carregamos sempre conosco. A música serve para aperfeiçoar essas reações, para torná-las mais belas (BERTINATO, 2006, p. 8).

            Afirmações como essas, são exemplarmente bem colocadas, pois desmistificam idéias de integração mágica, quase sobrenatural dos sons (e música) e das emoções humanas, que sugere um poder da música sobre a pulsão emocional do homem.
Pelo contrário, entende-se a partir disso que estes campos são dissociados, embora possam dialogar entre si, sugerindo uma íntima intersecção, ou até unificação de outras áreas a partir dessa relação, mas que não se fundem a tornar um só contexto. Ou seja, a música corporifica, mas não é a emoção, assim como a emoção motiva, mas não é sonoridade, e vice-versa. E, como processos dissociados em complexidade, se articulam.

5 À MUSICOTERAPIA

            Como ciência que estuda as relações entre som e ser humano, utilizando a partir destes estudos de relação, os sons como potencial clínico, todo e qualquer estudo que emirja interessantes e novos apontamentos ainda desconhecidos, será de grande relevância para a musicoterapia, pois poderá no aprofundamento de tais conceitos, direcionar novas técnicas de pratica clínica, de reabilitação, de prática profilática, e até na promoção de saúde (PAIVA, 2010).
            Pensando clinicamente, este ensaio estreita-se a musicoterapia quando articula música a componentes emocionais, em olhares diversos, como neurofisiologia, sociologia, neurociência, enfim, quando pensa a música como potencial transformador ou estimulador de tantas outras áreas, sugerindo a partir disso, uma ampliação do repertório de recursos sonoro-musicais a se utilizar como potencialidade clínica.
            Sons mais precisos, em praticas mais incisivas – processos mais assertivos!

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não reforçar a importância da transdisciplinaridade para assuntos como o deste escrito, seria incabível. Pois a busca de compreensão ou no mínimo de apontamentos sólidos e fundamentadas reflexões para o desenvolvimento de complexo tema como música e emoção, pulsa ávida e exigente.
Considerando as informações de várias fontes, pode-se afirmar que mesmo estando a música em lugares próximos aos da emoção, e que o diálogo entre essas duas áreas é de intimidade e estreitamento, os processos de engendramento de cada uma delas, são distintos e separados, ainda que se precise recorrer algumas vezes à uma para executar a outra, como da música para emoção, quando se quer interpretar, criar, ou simplesmente ouvir belas toadas, e decodificá-las como processo musical.
Processo tal, que utiliza o cérebro como centro de qualquer atividade mútua que se trave a partir das atividades musicais, a fim de acessar emoções, que gerarão condutas e atitudes sociais, mensurando desta relação, um entendimento compreendido apenas dentro de um contexto próprio e singular – a cultura.
 Sendo assim, todo comportamento emocional, sugerido pelo som, é entendido pelas organizações sociais, de padrões, convenções, valores, geografia etc.
Logo, a música não recebe o poder de desencadear emoções, mas dentro deste processo intrincado e complexo, acessa as emoções trazendo-as a tona, corporificando-as, comunicando e expressando-as, sem significá-las ou valorá-las.
Música é música e emoção é emoção – o resto é cultura.

REFERÊNCIAS

BENDIX, Regina. The Pleasures of the Ear: Toward and Ethnography of Listening. Cultural Analysis 1. Pennsylvania: University of Pennsylvania, 2000. Apud BERTINATO, Fernanda Tresinari. Ó Deus, eu quero tocar e cantar: a música e os instrumentos musicais no saltério davídico. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião): PUC-SP, 2006.

BERTINATO, Fernanda Tresinari. Ó Deus, eu quero tocar e cantar: a música e os instrumentos musicais no saltério davídico. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião): PUC-SP, 2006.

BLACKING, John. How musician in man? Seattle: University of Washington Press, 1973. Apud MORAES, J. Jota de. O que é Música. São Paulo: Brasiliense, 1991. Citado por BERTINATO, Fernanda Tresinari. Ó Deus, eu quero tocar e cantar: a música e os instrumentos musicais no saltério davídico. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião): PUC-SP, 2006.

CAMPOS, Sandra M.; CORREIA, Cléo M. F.; MUSZKAT, Mauro. Música e Neurociências. Rev. Neurociências 8 (2): 70-75, 2000.

HERDER, Johann Gottfried. 1807. Stimmen der Völker in Liedern. Hg. von Johannes von Müller. Tübingen, 1807. Apud BENDIX, Regina. The Pleasures of the Ear: Toward and Ethnography of Listening. Cultural Analysis 1. Pennsylvania: University of Pennsylvania, 2000. Citado por BERTINATO, Fernanda Tresinari. Ó Deus, eu quero tocar e cantar: a música e os instrumentos musicais no saltério davídico. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião): PUC-SP, 2006.

JOURDAIN, Robert. Música, Cérebro e Êxtase – Como a música captura nossa imaginação. Rio de Janeiro: Objetiva, 1998. Apud BERTINATO, Fernanda Tresinari. Ó Deus, eu quero tocar e cantar: a música e os instrumentos musicais no saltério davídico. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião): PUC-SP, 2006.

LAZZARINI, Victor E. P. Elementos de Acústica. Music Department National University of Ireland Maynooth: Londrina, julho 1998.

LEVI-STRAUSS, Claude. Mito e Significado. Cap. V – Mito e Música. University of Toronto Presse,1978. Traduzido por BESSA, Antonio M. Capa de Edições 70: Portugal, 1985.

OLIVEIRA, Maria Aparecida Domingues de. Neurofisiologia do Comportamento. Uma relação entre o funcionamento cerebral e as manifestações comportamentais. Canoas: Ed. ULBRA, 1999.

PAIVA, William. Música, neurociência e musicoterapia: uma breve discussão histórica, de desenvolvimento e de funcionalidade. Faculdade Paulista de Artes: FPA-SP, 2010.

SCHAFER, R. Murray. A afinação do mundo, 1977. Traduzido por Marisa Trench Fonterrada. São Paulo: Editora UNESP, 2001.

RUUD, Even. Caminhos da Musicoterapia. São Paulo: Summus, 1990.

TAYLOR, I. A., & PAPERTE, F. “Current Theory and Research in the Effects of Music on Human Behavior.” Journal of Aesthetic Art Quarterley, n. 17, 1958. Apud RUUD, Even. Caminhos da Musicoterapia. São Paulo: Summus, 1990.










[1] Definição retirada do site Wikipédia livre, em 29/04/2010. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Cultura

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

A música e seus contornos emocionais desenvolvidos no cérebro humano.

3 PERCEPÇÃO MUSICAL E EMOÇÃO HUMANA: PONTOS DE ENCONTRO
Foto: Marcos Santos

   O processo de percepção da música pelo ouvido humano é um campo vasto de estudos, mobilizando cientistas desde o séc. XIX a levarem música para seus laboratórios em criteriosas pesquisas dos sons, suas leis regentes, sua matéria física etc.
A área que estuda os fenômenos sonoros em si é entendida como acústica – que vem do grego akoustikós: que diz respeito ao ouvido[1]. Logo depois da acústica, nasce a psicoacústica, que é a ciência que estuda os modos que a mente humana percebe os sons. Avançando em ainda mais um passo, desenvolve-se a psicoacústica musical, que tenta esquadrinhar todo tramite relacional possível da percepção e do fazer musical (BERTINATO, 2006).

Por meio desta ciência, foi diagnosticado que nenhuma outra atividade exige tanto do cérebro quanto o fazer musical, pois este envolve uma atividade intensa de centenas de músculos, dos olhos e dos ouvidos, a fim de decodificar e interpretar símbolos. Além disso, são requisitadas a memória e as emoções; tudo isso em intercâmbio, para que nenhuma das várias atividades entre em choque.[2]

A música relaciona-se intensamente com diversas áreas do cérebro, exigindo deste, uma constante de funcionamento para realização de suas atividades. Seja em atividades musicais qualquer, o cérebro é sempre motivado a uma atuação vívida e processualmente multifacetada, requerendo respostas de sempre mais de uma área, encampando neste desenrolar, o nosso sistema límbico, que trará a tona conteúdos e contornos emocionais.




[1] Cf. LEVI-STRAUSS, 1978/1985.
[1] De acordo com o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa.
[1] Ibid., p. 2-3.

Atualmente, a neurociência tem estudado música e cérebro de forma mais incisiva, e a partir de tais estudos, afirma que:

Por não precisar de codificações lingüísticas e por armazenar um conglomerado de signos estruturados, além de acessar diretamente a afetividade e os campos límbicos, a música estimula nossa memória não-verbal (áreas cerebrais associativas secundárias).[1]

            Neste processo, a música unifica várias sensações incluindo:

[...] a gustatória, a olfatória, a visual e a proprioceptiva em um conjunto de percepções que permitem integrar as várias impressões sensoriais em um mesmo instante, como a lembrança de um cheiro ou de imagens após ouvir determinado som ou determinada música. Também ativa as áreas cerebrais terciárias, localizadas nas regiões frontais, responsáveis pelas funções práxicas de seqüenciação, de melodia cinética da própria linguagem, e pela mímica que acompanha nossas reações corporais ao som (CAMPOS et al., 2000, p. 72. Apud PAIVA, 2010, p. 10).

Pensando em mudanças metabólicas cerebrais pelo estímulo de um som ou música, é compreensível o contexto de respostas emocionais trazidas por esta dinâmica de música e cérebro, pois os sentimentos também podem ser entendidos como resultantes de reações bioquímicas em nossa estrutura neurofisiológica. Como afirma Maria de Oliveira (1999), quando explica que as emoções (e a partir da qual é gerado um comportamento e uma conduta) não são uma sensação etérea e insubstancial, mas o produto da química e da fisiologia do cérebro, existindo então, um substrato neurônico para as mesmas.
            Ainda que se afirme uma situação emocional sugerida pelos sons e música, a explicação do ponto de vista neurofisiológico e apenas (para um fenômeno de funcionalidade explicativa), não é o bastante, pois, na existência de um sentimento desencadeado pelo som, é relevante indagar-se qual sentimento este ou aquele som disseminou. Ou seja, não basta saber que a música sugere sentimentos e sensações, é preciso também sobressaltar que tipo de sentimento foi suscitado, e, por qual estímulo sonoro-musical este fato sucedeu.

3.1 MÚSICA E LINGUAGEM

Se aproximarmos música da linguagem, e sabendo que é na linguagem que se encontra signos para tentativa de tradução dos subjetivo e abstrato dos sentimentos, podemos ter um ponto de encontro desta relação, pois de alguma forma a música “corporifica a emoção. [...]



[1] PAIVA, 2010, p. 10.

nos dá meios para exercitar nossas emoções e desta forma estabelecer relação com outros seres humanos” (BERTINATO, 2006, p. 10).
Neste contexto, a música pode ser pensada como linguagem, pois se ela corporifica as emoções, logo, esse corpo sonoro carrega em sua estrutura a própria emoção, sendo uma forma de expressá-la – sem o verbo – por uma comunicação sonora.
Mas, para melhor assimilação, é importante que se pontue os estreitamentos reais da estrutura lingüística, da estrutura musical, sugerindo proximidades e distanciamentos, que fazem destas duas, potencialidades de comunicação.
Quando falamos em “linguagem”, nos referimos a um processo sistemático de signos instituídos naturalmente ou convencionados, na finalidade de transmitir informações e mensagens de um sistema (orgânico, social etc.) a outro. Para este processo emergir, muitos intercâmbios são sugeridos, da motricidade até representações sócio-culturais das decodificações dos signos. Assertivamente, a música pode ser lida desta forma, assemelhando a tal sistema, porque ambos:

[...] dependem, do ponto de vista neurofuncional, das estruturas sensoriais responsáveis pela recepção e pelo processamento auditivo (fonemas, sons), visual (grafemas da leitura verbal e musical), da integridade funcional das regiões envolvidas com atenção e memória e das estruturas eferentes motoras responsáveis pelo encadeamento e pela organização temporal e motora necessárias para a fala e para a execução musical (CAMPOS; CORREIA; MASZKUT, 2000, p. 73).

            A diferença relevante entre a música e a linguagem verbal, é que nesta ultima acontece uma separação entre significante e significado, uma vez que ela está submetida a processos semântico-lingüísticos, diferente da música, que a própria mensagem musical é uma estrutura significativa para traduzir as idéias e comunicá-las, ou seja, a música em si é o significado enquanto conteúdo significante.
            Levi-Strauss (1978/1985), em um ensaio sobre mito e música, tenta aproximar os aspectos musicais as estruturas de um mito, sugerindo dessas estruturas, uma proximidade entre música, mito e linguagem, atribuindo a todas estas, a valoração de fontes de representações e significações. Lá pelas tantas, afirma:

A comparação entre a música e a linguagem é um problema extremamente espinhoso, porque, em certa medida, a comparação faz-se com materiais muitos parecidos e, ao mesmo tempo, tremendamente diferentes. Por exemplo, os lingüistas contemporâneos disseram-nos que os elementos básicos da linguagem são os fonemas – ou seja, aqueles sons que nós incorretamente representamos por letras –, que em si mesmos não tem qualquer significado, mas são combinados para diferenciar os significados. Pode-se dizer praticamente o mesmo das notas musicais. Uma nota – A, B, C, D e assim por diante – não tem significado em si mesma; é apenas uma nota. É só pela combinação das notas que se pode criar música. Poder-se-ia dizer perfeitamente que, enquanto na linguagem se tem os fonemas como material elementar, na música temos algo que eu poderia chamar <<sonemas>> – em inglês, talvez que a palavra mais adequada fosse <<tonemas>>. Isto é uma similaridade[1].

            Porém, cabe ainda salientar que no campo lingüístico verbal, os fonemas se combinam a formar palavras, que se combinam a formar frases. Em música as palavras não existem, as notas (como formas mais elementares) se combinam e formam diretamente uma frase, que é a frase melódica. Assim, se na linguagem existem três níveis definidos – fonemas, que se combinam em palavras, que se combinam em frases –, na música as notas se assemelham aos fonemas, porém não há palavras, na combinação de notas, passa-se diretamente ao domínio das frases.[2]
            Se a música no domínio das frases, que é sua frase melódica, compreende os processos de comunicação, até pela facilidade de corporificação das emoções de forma direta e límpida, todas as emoções podem ser articuladas e comunicadas pela música, pois como já apontado, ela dá forma ao sentimento, provocando comunicação inteligível da mensagem, e propondo entre os seres, possíveis relações.
            Usando Taylor e Paperte (1958) teremos a seguinte afirmação:

Quando a dinâmica estrutural da música é semelhante à dinâmica estrutural das emoções, resulta uma união solidária das duas e, quaisquer mudanças que ocorram na primeira, produzirão mudanças correspondentes na segunda.[3]

            Destas perspectivas é fácil amarrarmos música à emoção, pois um conteúdo musical pode ser a própria emoção, no sentido de que ela dá forma ao sentimento, e por isso é um canal para expressá-lo.
            Mesmo assim, este ponto de encontro entre o campo musical e as emoções humanas, não explica a significação nem a representação destes. Em outras palavras, é sabido o estreitamento de um conteúdo a outro, mas não é explicada a ligação de um som àquela ou à outra sensação, ou sentimento, ou emoção; ou seja, qual som determina a suscitação da alegria, por exemplo? Que exata música traz tristeza, ou prazer?
            Ainda é preciso antes saber se tais perguntas são cabíveis, e se elas não fazem parte de um mundo leigo ao tratamento dessas relações.



[1] Ibid., p. 74.
[2] Cf. LEVI-STRAUSS, Claude. Mito e Significado. Cap. V – Mito e Música, op.cit.
[3] Ibid., p. 252. Apud RUUD 1990, p. 42.
Para breve discussão e apontamentos, buscaremos informações visando possíveis explicações para estes questionamentos, e para isso, vamos falar de cultura.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Sobrevivente da II Guerra Mundial conta como a música a ajudou superar as perdas e recomeçar uma nova vida no Brasil.

Por Marcos Santos
Foto: Marcos Santos

Sarah Lewin nasceu na Polônia em 1926, mas, viveu no país até o terceiro ano de vida. Passou a infância e adolescência na Bélgica. Aos seis anos ela conhece uma vizinha que tinha um piano no qual a filha estudava e, a partir daí a menina Sarah começa a se interessar pela música, porém, a família sem condições financeiras não tinha como investir na criança. Entretanto, sua vizinha percebendo o dom da pequena, a matriculou para ter  aulas de piano  juntas, ela e a filha. Sua família aceitou a ajuda daquela vizinha que pagava as aulas para a menina.  Aos onze anos, já conhecendo bem de música entrou para o conservatório musical no qual tinha aulas de terças e quintas com a professora Madame Du Pont. Aos domingos se reunia com os alunos no anfiteatro da cidade de Liége para acompanhar os concertos cujos repertórios eram escolhidos dos clássicos de Baah, Beethoven, Frédéric Chopin entre outros. Porém, o sonho de ser concertista foi interrompido pela guerra em meados da década de 1940. A partir daquela data a vida da adolescente Sarah se resumiu em fugas para tentar sobreviver do terrível massacre que chocou o mundo.
De família judia, aos  14 anos teve que imigrar forçadamente para Marseille na França com a família, parentes e vizinhos por causa da invasão dos soldados alemães. Apesar de o local ter sido construído pelos franceses para abrigar os judeus refugiados, o ambiente era hostil e, portanto, as condições de vida eram extremamente precárias: sem saneamento básico, alimentação e infra-estrutura totalmente inadequadas e desumanas.
Foto reprodução do Google.

A Segunda Guerra iniciou-se, em setembro de 1939 e foi até 1945. O país escolhido para a invasão foi à Polônia pela Alemanha nazista comandada por Adolf Hitler e, de acordo com registros, esse trágico e desumano acontecimento deixou mais de seis milhões de judeus mortos, dos quais, amigos e parentes de Sarah Lewin-88 anos, levados para os campos de concentração fazem parte dessa terrível estatística do terror. O Holocausto, como ficou conhecido este horrendo evento, até hoje serve de inspiração para grandes produções hollywoodianas e literatura como: A menina que roubava livros, O pianista, O menino do pijama listrado, Hitler, Um sinal de esperança, O grande ditador, entre outros. Dona Sarah conta nesta entrevista realizada pelo Sindicado dos Músicos no Estado de São Paulo, como conseguiu superar os terríveis momentos de dor ao ver suas amigas de infância desaparecerem da noite pro dia sem nenhuma explicação. Conta também do sumiço do pai que fora levado para campos de concentração com a promessa de que iria trabalhar na França para o exército de Hitler, porém, após anos desaparecido, sua mãe recebe atestado de óbito dando conta de que ele havia morrido num numa câmara de gás.
Foto reprodução do Google.
Foto reprodução Google
 
Foto reprodução Google




Sindmussp-  Quando e como começou a guerra para vocês?

Sarah Lewin- Eu já era adolescente e na madrugada do dia 10 de maio de 1940 ,  acordei assustada  e vi  as  luzes da casa  todas acesas  e não entendi  nada. Porém, pensei que já estava na hora de levantar para ir à escola.  Minha mãe foi até o meu quarto,  desesperada e disse: levanta rápido!  Nós vamos sair de casa porque o exército de Hitler está vindo invadir a Bélgica. Já arrumei as malas.  Não imaginávamos que a guerra pudesse chegar naquela cidade. Ouvimos rumores da guerra, porém estávamos despreocupados achando que não ia chegar até a cidade onde estávamos.

Sindmussp- Como foi que vocês conseguiram fugir dos soldados?

Sarah Lewin – Cada um pegou uma mala, fechamos a casa. Eu, minha mãe e meu  pai fugimos pelo mato até chegar à estação do trem.  A estação já estava lotada de judeus e não judeus e, no meio do tumulto conseguimos embarcar num vagão de cargas. Fomos levados para um campo de refugiados em Marseille na França já na fronteira com a  Espanha. Lá ficamos nove meses em campos de refugiados vivendo da pior  maneira possível. Fiquei muito doente e pra não morrer, meu pai ficou sabendo que a vida voltara ao normal na Bélgica e então, resolveu voltar.

Sindmussp:  Com as fronteiras totalmente cercadas pelo exército de Hitler, como  vocês conseguiram voltar?

Sarah Lewin: Meu pai pagou uma pessoa para nos atravessar escondidos pelo mato, porque os soldados cercaram todas as fronteiras, porém, os alemães já sabiam desse atalho e nos pegaram. Passamos a noite presos no quartel e pela manhã, fomos obrigados a voltar para o campo de refugiados em Marseille, entretanto, nos deixaram na fronteira próximos do campo. Meu pai ainda tinha algum dinheiro e novamente, pagou outra pessoa para nos atravessar. Finalmente, conseguimos fugir e chegamos em casa as 23h.

Sindmussp: A casa estava revirada ou destruída quando chegaram?

Sarah Lewin: Estava tudo do mesmo jeito que havíamos deixado. Os vizinhos cuidaram das nossas coisas. Então a nossa vida parecia ter voltado ao normal, meu pai voltou a trabalhar na mesma metalúrgica de antes.  Tudo parecia estar tranqüilo, porém, um belo dia, os alemães foram na minha casa e entregaram uma carta ao meu pai dizendo que todo chefe de família judeu que aceitasse trabalhar na França para os alemães por três meses, além de receber salário, eles deixariam as famílias em paz.  Meu pai acreditou e aceitou a proposta.  Mas, três meses se passaram e nunca mais tivemos notícia dele.  Depois de algum tempo descobrimos que fomos enganados. Meu pai foi levado para a Alemanha e morto em um campo de concentração.

Sindmussp: Como ficou a vida de vocês depois desse triste acontecimento?

Sarah Lewin: Nossa vida ficou muito difícil e complicada. Nós éramos obrigadas como todo judeu, a usar um broche em formato de estrela de Davi como identificação.  Quem não usava era morto pelos soldados.  Minha professora de piano com medo de acontecer alguma coisa comigo, achou melhor eu não ir mais à casa dela porque os soldados poderiam me prender a qualquer momento.  Ela sabia do perigo que eu estava correndo, até porque, tinha dois filhos que foram alistados no exército alemão e voltaram da guerra muito feridos.  Algum tempo depois enquanto estávamos dormindo, os soldados alemães chegaram á minha casa fortemente armados com metralhadoras e bateram na porta violentamente. Assustadas, nos arrumamos rápido e minha mãe abriu a porta e, já sabia que seríamos levadas. As malas já ficavam  prontas. Eles queriam levar também a filha da vizinha que sempre dormia em casa, porém, ela era italiana e então os soldados a deixaram ir.

Sindmussp: Para onde vocês foram levadas?

Sarah Lewin: Fomos levadas para um quartel próximo ao bairro onde morávamos. Passamos a noite em pé juntas com outras a famílias de judeus que já estavam lá com suas malinhas aguardando o seu destino cruel. Nós, e várias pessoas recebemos uma carta que, supostamente dava direito a trabalhar nas fábricas de munição. No outro dia foi feita a seleção dos que tinham a carta e dos que não tinham.  As pessoas que tinham a carta puderam voltar às suas casas, mas, quem não tinha foi levado direto para a câmara de gás.  Aquela carta na verdade não era um encaminhamento para trabalhar e sim uma farsa para para não chamar  a atenção dos que seriam mortos.  Depois daquele triste dia, nunca mais vi minhas amigas e seus familiares. Passadas duas semanas, eles voltaram para nos prender, mas conseguimos fugir antes. Ficamos perambulando pela cidade e, um militante da resistência belga contra os alemães se aproximou enquanto lanchávamos em um bar. Pensamos ser um soldado alemão, porém, ele se identificou  e nos abrigou em sua casa. Ali passamos a noite.  No dia seguinte ele nos levou à um esconderijo perto de onde morávamos nos fundos da casa de um casal de idosos.  Minha mãe aproveitou e foi até a minha residência pegar alguma coisa, mas chegando lá a casa estava toda revirada e vazia.  Até o meu piano que meu pai havia comprado com todo sacrifício, eles retiraram pela janela. Levaram tudo. Na edícula onde ficamos, além de nós, esse casal de idosos abrigou outros judeus. Lá, estávamos seguros e os soldados jamais desconfiariam que tivesse povo judeu ali.

Sindmussp: Por quanto tempo a senhora ficou escondida naquela edícula?

Sarah Lewin – Ficamos na casinha dos idosos até terminar a guerra, aproximadamente dois anos. Passamos por muitas necessidades e revoltada com aquela situação resolvi ser uma militante belga e me juntei a eles.  Depois, eu e minha mãe tivemos de enfrentar outra guerra: os traumas e fantasmas da guerra me deixaram com sérios problemas emocionais e psicológicos. Eu não conseguia dormir sossegada porque pensava nas minhas amigas, meu pai, e acordava no meio da noite gritando e muito assustada. Minha mãe mandava eu parar de gritar senão ia incomodar os vizinhos.

Sindmussp: Quando finalmente a jovem Sarah pôde sentir que a guerra havia acabado definitivamente,  fora e dentro dela?

Sarah Lewin: Muito difícil achar uma resposta, mas, possivelmente foi quando eu casei. Meu marido resolveu vir para o Brasil com medo de estourar outra guerra. Eu não quis sair da Bélgica porque não conhecia nada do Brasil. Só ouvia falar do Rio de Janeiro por causa da Carmem Miranda (risadas). Para mim só existia essa cidade. Não sabia que existia São Paulo, mas mesmo sem concordar muito, partimos. Eu já tinha meus dois filhos ainda pequenos e partimos para cá.

Sindmussp: Qual foi a reação da senhora quando chegou ao Brasil?

Sarah Lewin: Foi muito estranho, não sabíamos nada do idioma e muito menos aonde íamos morar. Chegamos ao Brasil em dezembro de 1956. Eu, meu marido e meus dois filhos: Daniel (4) e Gabriel de um ano e seis meses.  Minha mãe só  veio um ano depois.  Viemos de navio até o porto de Santos e depois trazidos de trem até o bairro do Bom Retiro no centro de São Paulo porque sabíamos que lá  havia muitos judeus. Passamos a noite em uma pensão cheia de pulgas. Daniel ficou doente e com o corpo todo ferido das mordidas das pulgas e gastamos o pouco do dinheiro que havíamos trazido, com o tratamento que durou seis meses.  Passamos por muitas dificuldades, doenças e até fome.  Pra ajudar o meu marido, eu comecei  vender roupas para um judeu  de porta em porta, mesmo sem saber falar português, infelizmente, levei muito calote.  Meu marido conseguiu emprego de vendedor de livros na Livraria Britânica e as coisas começaram há melhorar um pouco e até conseguimos alugar uma casa.

Sindmussp: Quando foi que o piano voltou a fazer parte da sua vida?

Sarah Lewin: Quando minha mãe veio morar conosco. Ela nos ajudou a comprar uma casa com o dinheiro que recebeu do governo da Bélgica pela morte do meu pai. Daí, parei de vender roupas e coloquei um anuncio no jornal para dar aulas de piano e ajudar o meu marido pagar a casa porque o dinheiro que minha mãe trouxe só deu para dar a entrada. Minha primeira aluna era francesa e me ensinou falar português em troca das aulas de piano. O piano era alugado e  logo os alunos foram chegando. Porém, um belo dia enquanto eu dava aula, recebi a visita de um fiscal da Ordem dos Músicos do Brasil. Minha vizinha havia me denunciado e tive de pagar multa por não ter a carteirinha.Eu nem sabia disso, mas regularizei a minha situação e me filiei à OMB e ao sindicato em 1966.  E continuei dando aula. Consegui comprar esse piano o qual já estou com ele há quase 50 anos.  As aulas começavam as 08h e iam até as 18h. Às vezes eu não parava nem para almoçar.  Quando tudo parecia estar indo tudo bem, meu marido ficou muito doente e teve de ser operado às pressas  de uma grave infecção na bexiga. Devido a doença, ele começou a faltar muito ao trabalho e  foi mandado embora da livraria Britânica. Daí,  a nossa vida e a situação financeira piorou e tivemos que vender a casa. Com o seu estado emocional super abalado e as  dificuldades financeiras, a doença do meu marido voltou e não teve mais jeito. Morreu.  

Sindmussp: Sem o seu marido e endividada, como a senhora conseguiu sair dessa?

Sarah Lewin: Nessa época o Daniel já era casado e o Gabriel não, mas trabalhava e me ajudou muito, além da minha mãe também, que recebia uma aposentadoria da Bélgica todo mês e me dava o dinheiro para pagar as contas.  Após seis anos da morte do meu marido recebi outro golpe do destino: minha mãe nos deixou vítima de uma anemia crônica que evolui, provocando uma severa pneumonia e ela não resistiu, já que naquela época a medicina não era tão avançada.  Foi o momento mais difícil da minha vida porque eu e minha mãe éramos muito apegadas.  Era ela que me dava forças. Ela me ajudou a superar muitas dificuldades. Ela era tudo pra mim. Eu fiquei sem chão e foi muito difícil superar a perda e, até hoje eu sinto muita falta dela.  Já se passaram trinta anos e confesso que, se não fosse o meu piano, talvez eu não estaria mais aqui.  A música se tornou a minha razão de viver.
Foto: Marcos Santos
Sarah Lewin posando para foto com o maestro e professor Aluízio Pontes.
Foto: Marcos Santos
Apaixonada por literatura francesa, Sarah Lewin exibe livro de autor preferido.
 
Foto: Marcos Santos
Dona Sarah posa para foto ao lado do diretor Ronald Fonseca  acompanhada de colaboradores  e diretores do sindicato.





sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Da música às emoções- Um ensaio transdisciplinar .

William Paiva
RESUMO

Autor: William Paiva

Este estudo pretende levantar apontamentos e gerar reflexões sobre as relações causais da música no ser humano. Neste sentido, o texto busca objetivar dados consistentes para uma idéia que há muito se estuda, tornando-se tema central de discussões acadêmicas e científicas, de que a música desempenha um importante papel no desenvolvimento emocional do ser humano, e de que ela suscita no homem diversas emoções, trazendo assim, questionamentos e distintos conceitos a se estudar, averiguar e avaliar. Para isso, é importante que se contextualizem definições de música, assim como dos próprios conteúdos e engendramentos da emoção humana, sendo o dinamismo da intrincada relação destes dois complexos, o tema gerador deste escrito. O texto ainda busca estreitar tais articulações à recente musicoterapia, sendo esta uma área que estuda as relações entre música e ser humano, tirando do estudo dessas relações, potencialidades clínicas, de transformações, reabilitação, e promoção de saúde a partir de intervenções musicais direcionadas e focadas em musicoterapia.

Palavras-chave: Música. Emoção. Musicoterapia.

1 INTRODUÇÃO

            Muito se tem discutido atualmente sobre a música e sua influência direta nos seres humanos – influência que transita em vários lugares, contemplando desde aspectos fisiológicos do som, ao nível mais transcendental que essa arte de organizar sons e silêncios pode ocupar em nosso corpo, em nossa mente, espírito, enfim, em todo o conjunto complexo que traduzimos e conhecemos pela nomenclatura de ser humano.
Distintas áreas do conhecimento se organizam criteriosamente em atitudes científicas para pautar pesquisas que articulam música em suas relações causais, resultando em interessantes apontamentos de como a música nos afeta, ou ainda, em pesquisas mais específicas, que ou qual música nos afeta.
Quando falamos em atuação musical nas diversas áreas de um indivíduo, seja fisiológica, motora, emocional, social, psicológica, espiritual, entre tantas outras, do que exatamente estamos falando? O que exatamente se pretende conceituar?
Na busca por respostas, esta pesquisa tentará definições em várias disciplinas, promovendo saudáveis casamentos no que diz respeito à articulação de idéias em um prisma interdisciplinar, que trará diversas fontes de informação, da filosofia à ciência, e outras mais que assim vierem somar. Pois para tal estudo, é preciso que definições de música, bem como definições dos processos constituintes da emoção humana sejam bem explanadas, no direcionar de pontos cabíveis para questionamentos sólidos, embasando-se em híbrida literatura para essa imbricada relação.
Tendo de um lado a complexa música e de outro a complexidade das emoções humanas, e estando ambas em lugares que poderíamos chamar de subjetivos ou abstratos, é tendencioso que este escrito ganhe linguagem poética, pela descrição metafórica que se precisará acessar para a explicação deste ou daquele fenômeno.
Sendo assim, antecipo-me na tentativa da não romantizaçao deste estudo, antes, porém, defendo-me na própria semântica da linguagem verbal, que abre possibilidades de conotações para descrição de sentimentos e/ou sensações. Diferente da linguagem musical, que sem este conteúdo que movimenta significante e significado, traduz com maior facilidade uma emoção, sendo uma espécie de corporificação do sentimento, e então um caminho diferente para expressá-lo.
Logo, este pensamento pode se erguer como engendramento primário de uma problemática real para o desenvolvimento deste ensaio.

2 MÚSICA E SER HUMANO

            Sabe-se que enquanto sons agrupados, a música não é senão um corpo de ondas que vibram em certas freqüências, propagando-se em sua matéria física no meio inserida (LAZZARINI, 1998). Esta existência ondulatória vibracional e de freqüências, apenas por seus constituintes físicos, pode acessar áreas profundas de nossas estruturas neurais e psíquicas, suscitando de tais lugares, motivos comportamentais mensuráveis, porém imprevisíveis. Em outras palavras:
, propagando-se em sua matm em certas frequencia om maior facilidade um sentimento, como se fosse uma corporifica
[...] isolando o conteúdo psicossocial[1] que insere a música em um emaranhado de representações simbólico-culturais e significações, esta carrega em sua estrutura de fenômeno sonoro, um corpo de ondas que vibram em certas freqüências, e assim atingem diretamente o cérebro humano, podendo estimular desta estrutura, áreas que secundariamente promoverão mudanças ou transformações mensuráveis, tanto na estrutura, quanto nos comportamentos individuais e sociais gerais do ser-indivíduo que a experimenta (PAIVA, 2010, p. 5)

Sendo assim, música pode ser formatada em novas definições, podendo também ser deslocada de seu seguro território estético[2], pois se entendida como fenômeno sonoro, tudo o que soa pode ser uma potencialidade musical, assim, todo som está munido de estímulos, ou, todo som é o próprio estímulo, em qualquer nível que esta relação entre som e ser humano aconteça.
Tais conceitos se estreitam ao olhar que os cientistas musicais dão aos conteúdos sonoros. Para tomarmos exemplo, temos o nome de Murray Schafer (1977/2001, p. 20), quando diz: “Hoje, todos os sons fazem parte de um campo contínuo de possibilidades, que pertence ao domínio compreensivo da música. Eis a nova orquestra: o universo sonoro! E os músicos: qualquer um e qualquer coisa que soe! (grifos do autor)”
            Porém, pensando a música neste aspecto, e atestando sua existência desde épocas remotas, claramente percebe-se que este campo sonoro e contínuo de possibilidades é possivelmente inerente a própria existência humana, pois antes mesmo de ser chamada música, os sons já inundavam nossos ouvidos, e sua evolução foi em conseguinte a evolução do homem e homem civil, que em sua capacidade de socialização, socializou assim os sons, nos mesmos padrões de civilização, de agrupamentos e organizações – nasce a música.
De acordo com Bertinato (2006):

A história humana, desde o início, é povoada por sons. Enquanto vibração (onda) que se propaga pelo ar, chegando ao ouvido e sendo percebida pelo cérebro, o som povoa a existência humana em cada uma de suas fases ao longo da história. [...] [e] em qualquer ambiente habitado pelo ser humano o som tem sempre o potencial de ser usado como matéria-prima de uma arte – a música. Esta é a organização do mundo sonoro pela mente humana. É uma tentativa de estabelecer ordem em meio ao caos sonoro do ambiente. Melhor ainda: como todas as outras artes, é uma tentativa de dialogar com este caos por meio de ordens propostas.[3]

            No sentido de a música retratar uma tentativa de diálogo com o caos sonoro, propondo desta relação (música/meio) uma ordenação, sobressaltam apontamentos que emergem da consideração de que a música se relaciona com o ser humano dentro de uma realidade dinamicamente cultural. Pois, cada ordenação proposta a partir da música se trava em um ambiente de caos sonoro, sugerindo essa mesma ordem, apenas ao ambiente que este caos é validado. Ou seja, a ordem proposta neste ambiente, não será a mesma ordem que se proporá naquele, pois ambos contemplam diferentes campos de caos – sonoros e ambientais.
Logo, sendo música uma estrutura nascida dessa ordem, ela apenas será compreendia dentro de um contexto cultural, sem dizer das interferências do indivíduo que a executa ou a cria, quando despeja nessa prática, sua individual e interna musicalidade, bem como sua percepção de mundo, significações, representações etc., que já são naturalmente, influenciadas pelo próprio meio:

Toda cultura possui o seu próprio ritmo, no sentido em que a experiência consciente é ordenada em ciclos de mudanças de estação, de crescimento físico, de empreendimento econômico, de profundeza ou de amplitude genealógica, de vida presente e vida futura, de sucessão política ou de outros fatos periódicos quaisquer aos quais se confere uma significação (BLACKING, John. Apud. MORAES, 1991, p.19).[4]

            Enveredando-se neste processo de culturalização dos sons (que são recorrentes dos fenômenos naturais e periódicos do meio, e no tempo, sugerindo a formação de um ritmo), – a saber – música convencionada e padronizada culturalmente, chega-se na idéia de que a música enquanto estrutura é um retrato da história e cultura, e sua significação será emprestada do conteúdo de significações do indivíduo atribuidor.
            Ora, se o homem se relaciona com os sons desde sua gênese civil, e a evolução da massa humana responde de igual modo à evolução musical, esta última ganha formato distinto em cada lugar, que vai depender de qual massa humana[5] a articulou e engendrou sua estrutura; para qual finalidade e/ou funcionalidade essa arquitetura musical se construiu, e ainda, qual tipo de arquitetura musical se construiu.
            Assim, é possível sugerir que sons e músicas não carregam em si significações próprias, antes, necessitam de um ser que os atribua (enquanto signos), representações que só serão compreendidas dentro de seu contexto de formulação – do indivíduo para a música, ou na dinâmica de estrutura social: cultura – música.
Herder (1807) traduz este conceito em uma inteligente afirmação, quando declara em frase assertiva: “Nada é mais exclusivamente nacional e mais individual do que os prazeres do ouvido.”[6]
            Neste contexto, os prazeres do ouvido serão entendidos (enquanto prazeres[7]) dentro de um conteúdo exclusivamente nacional, neste caso, música pode ser definida como resultante dos processos de formação das identidades culturais, onde a não compreensão destes processos esvairia qualquer tentativa de compreensão dos domínios sonoro-musicais, enquanto cultura.
            Estes estreitamentos da música à cultura são de grande relevância, pois articulando os sons musicais perto dos prazeres do ouvido (emoções humanas), entenderíamos a possível ligação entre esses dois campos, partindo do ponto conceitual em que o comportamento emocional pode ser um processo de também reprodução sócio-cultural, ou melhor, um processo de re-significação e introjecção de símbolos pré-existentes, aprendidos na vida social[8], assim as emoções e a música estariam em lugares comuns, facilitando o diálogo entre duas classes que perceptualmente erigem-se sem semelhança, ao passo que se afunilam, assemelhando-se intrincadamente.


[1] O que faz jus à psicologia individual e à vida social, de acordo com o dicionário Priberam da Língua Portuguesa, 2010.
[2] Refere-se à estética tonal do ocidente, que insere a música em padrões rítmicos, harmônicos e melódicos, fechando as possibilidades de explorações sonoras e de experimentações dos sons.
[3] Ibid., p.1.
[4] BLACKING, John. Apud. MORAES, O que é Música, 1991, p.19. Citado por BERTINATO, 2006, p. 2.
[5] Massa humana aqui é colocada como povo, sociedade, grupo; qual massa humana = qual cultura.
[6] Herder. Apud. BENDIX, Regina. The Pleasures of the ear: Toward an Ethnography of Listening, 2000.
[7] O sentido de prazer está exatamente no prazer emocional de um ouvido culturalizado; Digerindo sons conhecidos culturalmente, o ouvido conota o corpo e a mente a uma experienciação de prazer musical.
[8] Cf. LEVI-STRAUSS, 1978/1985.